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Reajuste tarifário ou não? É essa a questão?

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O transporte público sofre reajustes anuais por necessidade? (Foto: Tribuna do Norte)

Minha filha caçula se recusa a tomar o remédio pela enésima vez. Argumenta, com toda a sagacidade de uma criança de 4 anos, que o remédio tem gosto ruim e que já se sente bem, apesar dos sinais de febre ainda evidentes. A argumentação, unilateral, segue por alguns minutos, que mais parecem horas, mas não existe recuo da minha posição. Explico que o medicamento é a solução do momento, independentemente de gostarmos ou não. Faz parte do tratamento, enquanto buscamos resolver as causas fundamentais da enfermidade. Minha filha não se entrega e continua a argumentação.

Principalmente nos últimos meses, estamos vivendo algo muito parecido em relação aos reajustes tarifários do transporte público urbano por ônibus. Ninguém gosta do “remédio”. Desconheço um prefeito que goste de dar esse tipo de notícia à população, que por sua vez repudia qualquer aumento nas tarifas. Então, existe todo debate público sobre a ocorrência, a intensidade e a validade dos reajustes tarifários. É praticamente impossível ler o noticiário e não encontrar ao menos uma nota sobre o assunto. De Norte a Sul do país, existe a premência do reajuste tarifário e em poucos casos as devidas medidas já foram tomadas pelo poder público, que entende a gravidade da situação e não recua de sua posição.

Assim como no caso da minha filha caçula, não é fácil avançar nesse assunto sem entender todo o sistema e os antecedentes que nos colocaram nesta situação crítica. Por mais repetitivo que possa parecer, estamos diante do resultado das escolhas coletivas como sociedade. Ao longo dos anos, optamos por privilegiar o transporte individual em detrimento dos investimentos públicos. Ademais, ignoramos completamente os exemplos dos países desenvolvidos, onde vultuosos recursos são direcionados para a manutenção dos serviços de transportes públicos urbanos de qualidade. Apesar desses países não terem uma legislação tão avançada como a nossa (Lei 12.587/2012), eles diferenciam a tarifa de remuneração da tarifa pública como instrumento de efetivação do direito social de acesso ao transporte público. Finalmente, os reajustes tarifários ocorrem porque os insumos estão aumentando constantemente e a atividade de prestação de serviço torna-se inviável à medida em que os gastos são maiores do que a receita, que vem, via de regra, exclusivamente da tarifa pública.

Sim, é preciso parar com o “remédio”, o mais rápido possível, mas antes temos que tratar das causas fundamentais do problema. Mais uma vez, da mesma forma que dialogamos com uma criança, é crucial salientar o que temos que fazer e repetir até que alcancemos a solução. Redução da carga tributária, priorização do transporte público, investimentos contínuos na qualificação e racionalização das redes de transportes e criação de mecanismos para financiar a diferença entre as tarifas pública e de remuneração. Enquanto a sociedade não compreende essa realidade, vai ser muito difícil não enveredarmos por essa discussão sobre os reajustes tarifários.

A questão agora é o que acontecerá se os reajustes tarifários não ocorrerem nos próximos meses. Em primeiro lugar, a atividade de prestação de serviço torna-se inviável à medida em que os gastos são maiores do que a receita. As empresas terão inúmeros compromissos trabalhistas e com os fornecedores, que vão, com todo o direito, exigir o pagamento por serviços prestados e produtos consumidos. Diferentemente de outros setores de atividade econômica, o transporte público não pode ser armazenado, pois o serviço ocorre independentemente da utilização ou não.

Já temos relatos de empresas que estão em dificuldades sérias para realizar tais pagamentos e provavelmente existem muitas outras na mesma situação. Em um segundo momento, a compra de ônibus, peças, acessórios, pneus e demais itens será ao menos adiada e assim toda a cadeia produtiva provavelmente passará por um processo de redução das atividades. Podem existir efeitos diversos na economia, como redução do número de postos de trabalho e do PIB. Espero que sejamos capazes de evitar tal cenário se tomarmos o “remédio” e trabalharmos nas causas fundamentais da “enfermidade”. Felizmente, minha filha caçula teve a sabedoria de tomar o remédio direitinho e passa muito bem, obrigado.


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